VALOR | A POLÊMICA SOBRE A EXTENSÃO DAS APP’S EM ÁREAS URBANAS

Por:
Públicada em: quarta-feira, outubro 19, 2022

Fonte: Valor Econômico | Publicado em 19/10/2022 | Clique aqui e veja a publicação original

A discussão sobre a extensão das APP’s (Áreas de Preservação Permanente) segue sem definição no SupremoTribunal Federal. No dia 19/04/2022, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 7146, proposta pelo PT, PSB, PSOL e Rede Sustentabilidade, foi distribuída ao STF visando anular a lei federal 14.285/2021, que permitiu aos municípios a delimitação da extensão das APP’s em áreas inferiores àquelas estabelecidas no Código Florestal.

A ADI conta com um pedido de liminar, para suspensão imediata de todos os efeitos da citada lei até o julgamento da Ação pelo Plenário do STF, mas, até o momento, ainda não foi objeto de análise pelo ministro relator, André Mendonça.

Além deste pedido de liminar, foi solicitada a declaração de inconstitucionalidade da lei, para que sejam aplicadas as faixas mínimas de proteção estabelecidas pelo artigo 4º, caput e inciso I, da lei federal nº 12.651/2012.

A lei federal nº 14.285/2021, sancionada em 29/12/2021, alterou disposições importantes do Código Florestal e da Lei de Uso e Ocupação do Solo, e se propôs a “definir e aprimorar o conceito de áreas urbanas consolidadas, para tratar sobre as faixas marginais de curso d’água em área urbana consolidada e para consolidar as obras já finalizadas nessas áreas”.

Ao alterar o art. 3º do Código Florestal, incluiu o conceito de área urbana consolidada, passando a defini-la como aquela que:

  1. está incluída em zona urbana pelo plano diretor ou por lei municipal específica;
  2. dispõe de sistema viário implantado;
  3. está organizada em quadras e lotes predominantemente edificados;
  4. apresenta uso predominantemente urbano, caracterizado pela existência de edificações residenciais, comerciais, industriais, institucionais, mistas ou direcionadas à prestação de serviços;
  5. dispõe de, no mínimo, dois dos seguintes equipamentos de infraestrutura urbana implantados: drenagem de águas pluviais, esgotamento sanitário, abastecimento de água potável, distribuição de energia elétrica e iluminação pública e limpeza urbana, coleta e manejo de resíduos sólidos.

Alterou também o artigo 4º do Código Florestal, que passou a permitir que, nas áreas urbanas consolidadas, a lei municipal ou distrital defina faixas marginais distintas daquelas estabelecidas no artigo 4º inciso I do Código Florestal.

A partir das modificações promovidas pela lei 14.285/2021 o Poder Público Municipal poderá delimitar a extensão das áreas de preservação permanentes nas áreas urbanas.

Por outro lado, o diagnóstico socioambiental – um estudo técnico que deve ser produzido pelo município, com a finalidade de identificar as características do território municipal – possibilitará à gestão municipal uma melhor organização de seu espaço. O estudo visa, entre outros objetivos, a identificação de áreas de risco, das potencialidades socioambientais do território, das áreas de relevante interesse ecológico e das áreas prioritárias para conservação, bem como a delimitação das áreas de preservação permanente e da área urbana consolidada.

Pois bem, como se sabe, o Código Florestal especifica que a APP tem a “função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas” e fixa as faixas marginais dessas áreas, que variam de 30 a 500 metros, a depender da largura do curso d’água.

Vale frisar que, quando se fala em preservação e proteção do solo, o que se pretende é a proteção de cursos d’água contra o assoreamento e a erosão, minimização dos efeitos das enchentes e de deslizamentos sobre as ocupações urbanas e rurais.

Segundo a ADI, a lei federal 14.285/2021, ao conferir aos municípios a competência plena para definir faixas de APP inferiores àquelas estabelecidas pelo artigo 4º do Código Florestal, estaria flexibilizando as regras nacionais por meio de legislação municipal, colidindo com o regime da legislação ambiental vigente e invertendo a lógica do regime constitucional de repartição de competências, pois aos municípios cabe aumentar o rigor da legislação federal e estadual ambiental, mas não reduzi-lo.

A ADI defende ainda que, conforme as cidades forem se expandindo, as APP’s estarão menos protegidas, o que viria a colidir com os Princípios da Vedação à Proteção Insuficiente e da Vedação ao Retrocesso Ambiental, os quais servem para impedir a vigência de leis e demais atos normativos que visem estabelecer atributos de proteção mínima menores do que os anteriores.

A ADI também citou o julgamento dos Recursos Especiais 1.770.760/SC, 1.770.808/SC e 1.770.967/SC, que foram afetados pelo Superior Tribunal de Justiça para a fixação de tese pelo sistema de recursos repetitivos, originando o Tema 1010, ao citar que as regras sobre a delimitação de APP conferida pelo Código Florestal continuam aplicáveis aos perímetros urbanos.

Nesse contexto, há municípios que vêm se abstendo de realizar qualquer alteração na legislação municipal com base nas alterações trazidas pela lei 14.285/2021, a fim de que sejam aprofundados os estudos acerca da constitucionalidade da lei.

Em sentido contrário, há aqueles que já sancionaram lei específica estabelecendo diretrizes para a delimitação das APP’s de cursos d’água em área urbana consolidada, prevendo inclusive a atualização do diagnóstico socioambiental já existente.

O fato é que a redução das metragens de margens de APP’s de cursos d’água poderá ocorrer somente com a edição ou revisão da legislação municipal de uso e ocupação do solo – exceto em caso de futura concessão do pedido liminar para a suspensão dos efeitos da lei 14.285/2021 -, e deve ser pautada em sólidos estudos do território municipal, se estes atestarem a perda irreversível das funções ecológicas da APP.

Todavia, vale frisar que, mesmo que uma determinada área seja considerada área urbana consolidada pelo estudo, no local não poderá haver qualquer construção, se ela também for considerada como área de risco de desastres.

Essa é uma discussão que se alongará por tempo considerável no STF e que traz um sentimento de insegurança para a população, considerando a indefinição do tema. Resta, por ora, aguardar os próximos capítulos dessa provável longa história.

Biana Cristina Stoinski é advogada do Martinelli Advogados, especialista em Direito Ambiental.

FALE COM A NOSSA EQUIPE




    VALOR | A POLÊMICA SOBRE A EXTENSÃO DAS APP’S EM ÁREAS URBANAS | Martinelli Advogados

    Cadastre-se agora!

    Deixe seu email para receber novidades do Martinelli.