REFORMA TRIBUTÁRIA E A EXTINÇÃO DA DEDUTIBILIDADE DOS JCP

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Públicada em: quinta-feira, julho 8, 2021

Por Jacob Wobeto Neto e William Rebello, advogados tributaristas do Martinelli Advogados

A segunda fase da Reforma Tributária proposta pelo Governo Federal por meio do Projeto de Lei 2.337/2021 busca alterar a legislação do Imposto de Renda tanto para as pessoas físicas (IRPF) quanto para as pessoas jurídicas (IRPJ), bem como a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e a tributação de dividendos. Mas traz também outros impactos importantes para as pessoas jurídicas.

Além da distribuição de dividendos, outra forma de remuneração aos sócios ou acionistas são os Juros Sobre o Capital Próprio (JCP), instituídos pelo art. 9º da Lei 9.249/1995, que consistem, em termos práticos, em uma forma de remunerar o capital investido na pessoa jurídica.

No entanto, diferentemente dos dividendos, os JCP não decorrem do lucro líquido da empresa. Eles são calculados a partir do patrimônio líquido, e contabilizados como despesas no balanço patrimonial, antes do cálculo do IRPJ e da CSLL. Estas despesas são utilizadas como despesa dedutível para fins de apuração do lucro real e da base de cálculo da CSLL. Regra geral, os JCP, pagos ou creditados, ficam sujeitos à alíquota de 15% de Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF).

Sendo assim, os JCP são importante instrumento de planejamento tributário empresarial, pois possuem dedutibilidade autorizada legalmente (despesa que pode ser aproveitada). Ou seja, reduzem o montante a ser recolhido a título de IRPJ e CSLL − em regra geral em 34% −, a um custo de IRRF de 15%, proporcionando um ganho de 19% em termos de eficiência tributária.

Na exposição de motivos do PL 2337, são apresentadas razões que justificariam, em tese, a extinção dos JCP:

• Os JCP foram criados como justificativa de compensação aos sócios em razão da desvalorização de seus bens e direitos, em um período de crise inflacionária nacional

• Na época em que foram instituídos, a ideia era que os JCP aumentassem a atratividade de investimento de capital em detrimento de investimentos no mercado financeiro

• No entanto, ao efetuarem análises das demonstrações financeiras das empresas brasileiras, constataram que as empresas continuam a aumentar seu capital por meio de endividamentos, contrariando a ideia de que os JCP aumentariam o investimento de capital.

Porém, em que pesem as razões expostas pelo Governo Federal na propositura do PL 2337, faltam argumentos e aprofundamento que embasem e justifiquem a exclusão dos JCP do sistema tributário. Desta forma, é necessário observar novas perspectivas, contextualizando todos os fatos de acordo com sua tempestividade histórica, para maior clareza e compreensão dos motivos que levaram à criação dos JCP, comparando-as com as razões trazidas pelo Governo Federal com este projeto.

O Capital Social das empresas reflete todo o investimento efetuado pelo acionista, bem como os resultados obtidos pela sociedade, que podem ser incorporados como uma forma de renúncia à distribuição e reinvestimento na própria companhia.

Com o desenvolvimento do Plano Real e os estímulos governamentais para evolução econômica do país e controle da inflação, surgiu a Lei 9.249/95, que, entre outras medidas, revogou a correção monetária de demonstrações financeiras, conforme o texto do art. 4º da referida lei.

No entanto, visando a equiparar a tributação dos diversos tipos de rendimentos do capital, a Lei 9.249/95 criou a figura do JCP, no intuito de remunerar o capital investido na atividade produtiva, permitindo a dedução dos juros pagos aos acionistas, observando a variação da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) e desonerando os dividendos. Além disso, conforme a própria exposição de motivos da Lei 9.249, a figura dos JCP tem como objetivo equalizar o tratamento tributário do capital nacional e estrangeiro, revogando a antiga isenção do IR incidente sobre a remessa de juros para o exterior.

Além disso, quando instituídos, os JCP tinham como função provocar um incremento das aplicações produtivas nas empresas brasileiras, elevando os níveis de investimento sem endividamento, reforçando a ideia de crescimento sustentado da economia, com uma política tributária moderna e compatível com a praticada nos demais países emergentes da época, no sentido de tornar o Brasil um importante destino de investidores internacionais.

Dito isso, é incompreensível a abrupta mudança da política tributária trazida no atual Projeto de Lei, uma vez que fora criado com a intenção clara de diminuição da carga tributária das empresas, possibilitando maior opção de planejamento empresarial e incentivando o crescimento produtivo.

O que se propõe agora é justamente o oposto: eliminar a dedutibilidade dos JCP. Ou seja, o PL 2.337/2021, no que tange à eliminação da dedutibilidade dos JCP, parece ter como única finalidade o aumento injustificado da carga tributária empresarial, sem nenhuma contrapartida que alavanque ou reforce a ideia de desenvolvimento econômico do país. Acrescente-se a isso a tributação dos dividendos proposta no mesmo PL. Diferentemente do que buscávamos em 1995 com a criação dos JCP, chegamos a um cenário ideal para “afugentar” os investidores internacionais e incentivar o endividamento empresarial.

A mera justificativa de que o “endividamento continua a ser a forma mais atrativa de financiamento” da expansão empresarial, além de ser vaga e sem dados objetivos que propiciem uma análise aprofundada, é descabida de qualquer motivação sustentável, salvo aumentar deliberadamente a carga tributária nacional.

Ainda que o argumento de que as empresas continuam aumentando o endividamento fosse verossímil – o que não é demonstrado com dados em nenhum momento -, o PL 2337 não apresenta qualquer hipótese em que esse cenário possa ser revertido. Pelo contrário, reforça a ideia de que as companhias devem buscar o aumento de seu capital por meio de endividamentos com terceiros. Ou seja, na leitura das motivações, temos que é preferível que a empresa, ao invés de remunerar o seu sócio ou acionista pelo capital aplicado considerando a TLJP (atualmente por volta de 5% ao ano), busque no mercado financeiro empréstimo para financiar suas atividades, que, por sua vez, gerariam juros que seriam dedutíveis.

Temos, portanto, o seguinte cenário: caso a empresa tenha lucro disponível ao término do exercício social, poderá optar por dois caminhos, de deliberar a distribuição de dividendos ou reinvestir esses lucros na própria empresa. No primeiro cenário, teremos a incidência da tributação sobre os dividendos constante do PL 2337, e, no segundo cenário, não haverá qualquer remuneração sobre esse investimento na empresa.

Ou seja, no entender do Governo Federal, é preferível para a empresa que ocorra a distribuição de lucros aos sócios ou acionistas e captação no mercado financeiro, usualmente a taxas de juros mais altas, para investimento na empresa.

Em comunicado da Comissão Europeia em maio deste ano, foi mencionado que a atual estrutura tributária adotada pelos países-membros permite a dedução dos juros sobre empréstimo e incentiva o endividamento. Isso tem contribuído para um excessivo acúmulo de dívidas, com possíveis efeitos negativos que podem se espalhar por toda a Europa, com alguns países possivelmente enfrentando graves casos de insolvência. Esse cenário ficou mais evidente na pandemia, com o aumento significativo do endividamento das empresas. O comunicado informa ainda que a Comissão fará uma proposta para endereçar a relação de endividamento sobre o patrimônio líquido por meio de uma autorização de financiamento sobre o próprio patrimônio líquido.

Nesse cenário, a “modernização” tributária brasileira é às avessas: alteramos o que temos de bom e pode ser referência para onerar, mais uma vez, o contribuinte. A conclusão, por óbvio, é tratar-se de mero aumento da carga tributária e potencial redução dos investimentos na própria empresa.

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