Privacidade digital: a empresa pode ver suas redes pessoais acessadas no trabalho?
Veja até onde vai seu direito à privacidade ao acessar, na empresa, e-mails e mensagens corporativas ou pessoais
Raphaela Ribas
Conversas nas redes digitais não são seguras. Nada do que se digita é totalmente sigiloso e, no trabalho, menos ainda. Isto porque toda troca de mensagens feita por e-mail ou telefone corporativo, a princípio, pode ser monitorada. A questão é que, com tantos aplicativos, os acessos pessoal e profissional se misturam e fica difícil saber o que pode ou não ser acessado pela companhia.
O Boa Chance conversou com advogados especialistas em direito do trabalho para saber até onde vai o direito de privacidade dos funcionários e da empresa no mundo digital.
Segundo Giovana Uchoa, do escritório Stuchi Advogados, Daniel Moreno, do escritório Magalhães e Moreno, e Cláudio de Castro, coordenador da área trabalhista do Martinelli Advogados, o empregador pode fiscalizar o que é feito por seus funcionários nas contas corporativas, mas não pode fazê-lo nas contas pessoais.
— A questão do monitoramento do e-mail corporativo é bastante polêmica e tem sido enfrentada pelos tribunais com cautela. No caso de contas pessoais, tal prática pode configurar abuso de direito, passível de indenização pelo empregador. Ainda que a comunicação ocorra durante o horário de trabalho e por meio de computador da empresa, não está sujeito a controle do conteúdo sem autorização prévia do empregado — afirma Giovana.
Moreno concorda e acrescenta que o ideal é que a empresa proíba mensagens profissionais em contas pessoais, para evitar futuros problemas.
— Por outro lado, os funcionários devem ficar atentos às suas publicações ou comentários públicos nas redes sociais, pois estes podem ser usados como prova, gerando até mesmo uma demissão por justa causa.
Tipos de monitoramento
Fernando Scanavini, diretor executivo de operações da ICTS Protiviti, consultoria especializada nas áreas de compliance e ética, acredita que o monitoramento não é apenas uma boa prática para a segurança de dados das empresas, mas uma necessidade.
Um levantamento realizado pela consultoria mostra que entre 2014 e 2018, dos 32 mil incidentes analisados nas empresas que participaram da pesquisa, mais de 70% eram relativos ao vazamento de informações.
Ele conta que, em um dos casos, um funcionário da área de compras foi pego enviando do e-mail da empresa para um pessoal uma planilha onde constavam os valores extras que recebia de propina, por meio de conluio com fornecedores e negócios superfaturados.
Para evitar isso, as empresas têm investido em sistemas de monitoramento, como restringir acesso a determinados sites, rastreamento de palavras-chave, monitoramento dos arquivos enviados e recebidos, inteligência artificial com análise de contexto das mensagens e até bloqueio do envio de e-mails corporativos com dados sigilosos.
— Adicionalmente, existem ferramentas que rastreiam a ação dos colaboradores na rede corporativa, no acesso aos sistemas da empresa, no acesso à internet, no uso de impressoras, na gravação de arquivos, inclusive com a captura de telas e do uso do teclado. Há também a possibilidade de acompanhamento simultâneo da ação de colaboradores em tempo real — explica Scanavini.
Antes, um aviso
Como a questão é polêmica, a orientação de todos eles é que a empresa comunique previamente a seus funcionários sobre o uso adequado do e-mail corporativo e se o mesmo será monitorado. Moreno orienta que haja um regulamento interno bem amplo e claro sobre o tema, o que já é realidade hoje nas grandes empresas, e Scanavini sugere um termo de consentimento assinado pelos empregados, informando sobre a possibilidade de monitoramento dos recursos corporativos.
— No caso de um crime fiscal ou de ética, a empresa deve pedir a quebra do sigilo das contas pessoais do funcionário judicialmente. Isto é raro na justiça do trabalho e mais comum em processos criminais — diz Daniel Moreno.
Pelo lado do funcionário, em tese, a empresa não pode pedir a senha de contas digitais pessoais (nem em cargos de confiança) e, muito menos, acessá-las. Mas se nem Neymar e as estrelas da Lava-Jato estão imunes, o que dirá um empregado comum? Logo, é melhor não entrar nas redes sociais no computador ou smartphone da firma.
— Informações profissionais, especialmente de natureza restrita ou confidencial, não podem ser compartilhadas em redes sociais. Já as conversas ou imagens divulgadas publicamente pelo colaborador em suas redes, desde que em perfil não fechado, podem ser facilmente acessadas e verificadas — diz Castro.
Segundo ele, inclusive já existem processos judiciais em que informações inseridas no Facebook serviram como prova ou até como confissão de prática de condutas criminosas.
O jurista lembra ainda que a questão criminal é delicada e merece especial atenção. Para ele, dependendo da natureza do crime praticado, como pedofilia e racismo, o trabalhador que cometer o delito poderá sofrer individualmente a condenação e cumprir a pena, e o empregador poderá responder pela reparação civil dos danos causados por seu empregado ou preposto.
— Não só isso. Em situações assim, a empresa pode sofrer sérios danos em sua marca ou imagem. Por outro lado, a responsabilidade penal poderá ser estendida à pessoa jurídica em casos, por exemplo, de danos ambientais, como aconteceu recentemente no Brasil — destaca.