Fonte: JOTA | Publicado em 25/9/2020 | Clique aqui para ver a publicação original
Para advogados, pequenos produtores e empresários com dívidas pré-existentes foram os mais afetados pela pandemia
A possibilidade de ter que entrar em recuperação judicial não foi a principal preocupação do agronegócio durante a pandemia da Covid-19. Segundo especialistas, até agora o setor seguiu em caminho oposto: registrou aumento de produção.
De acordo com advogados ouvidos pelo JOTA, os efeitos da crise sanitária foram mais sentidos por pequenos produtores ou grandes produtores com dívidas pré-existentes. As recuperações judiciais não tiveram aumento exponencial, porém, para especialistas, as incertezas sobre como o Judiciário tratará o assunto podem estar por trás do baixo número.
A exportação no setor durante a crise sanitária, por exemplo, aumentou 7,9% em relação aos meses de janeiro a maio de 2019. No acumulado desse período, o montante total das exportações foi de US$ 42 bilhões, segundo números da Confederação da Agricultura e Pecuária no Brasil (CNA).
Advogados que atuam na área afirmam que apesar de casos isolados de produtores e indústrias que já tinham dívidas anteriores à pandemia e precisaram recorrer à recuperação judicial, não houve aumento na procura de clientes para esse tipo de consultoria.
Outros especialistas relatam, entretanto, que produtores de pequeno e médio porte são os que mais sentiram a crise econômica, mas que muitos, mesmo perto da falência, não optam pela recuperação judicial por dúvidas sobre como o Judiciário decidirá sobre o tema.
“Há setores, como o da soja, que estão com muita eficiência e sem dificuldades. Outros ramos apresentam problemas, como o de flores e pequenos produtores de hortaliças, que foram à falência. Para esses produtores temos recebido a consulta e procura sobre a possibilidade da recuperação judicial”, afirma Felipe Bayma, advogado empresarial e também atuante no setor de agro.
Entretanto, o advogado afirma que a “grande maioria” opta por não iniciar o processo de recuperação judicial por dois motivos: não saber como o Judiciário decidirá sobre o tema, já que muitos são registrados na pessoa física e a lei só permite a recuperação judicial de empresas, e os custos processuais de acessar a Justiça.
A insegurança dos pequenos produtores, explica o advogado, ocorre pela falta de pacificação sobre a obrigatoriedade de registro em juntas comerciais para o acesso à recuperação judicial. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), responsável por pacificar a temática, julgou poucos casos sobre o assunto até agora.
O processo mais emblemático ocorreu na recuperação judicial do grupo J.Pupin. A Quarta Turma da Corte permitiu ao produtor rural, no REsp 1.800.032/MT, incluir suas dívidas como pessoa física no processo de recuperação judicial.
O julgamento teve o placar de três votos a dois a favor da recuperação judicial. Para advogados, o resultado ainda não representa a existência de uma tese ou jurisprudência pacificada.
Ministros do tribunal já defenderam que o tema seja julgado por meio de repetitivo, o que evitaria divergências entre a Quarta e a Terceira Turma, que ainda não se manifestou sobre o assunto. O julgamento por meio da sistemática, porém, ainda não foi possível devido ao ineditismo e ao pouco tempo desde que o tema chegou no STJ.
Sensibilidade do Judiciário
Além dos pequenos produtores com problemas por causa da pandemia, também existem os empresários com dívidas de períodos anteriores à crise e que recorrem ao Judiciário para a recuperação judicial.
Advogados afirmam que é necessária uma análise detalhada do Judiciário para evitar “oportunismos” de empresários que aproveitam a crise como gancho para uma recuperação judicial.
“Agora é o momento para o Judiciário não colocar tudo dentro da mesma situação. É preciso analisar caso a caso e saber o que é pandemia e o que é problema vindo de um histórico de má gestão”, afirma Priscila Camargo, sócia do escritório Ernesto Borges Advogados.
Para ela, o Judiciário precisa ter “sensibilidade” e saber quais problemas dos produtores são de fato causados pela Covid-19. “Essas decisões refletem no mercado. O setor precisa de estabilidade e segurança jurídica”, diz a advogada.
Endividamento
Segundo Frederico Favacho, sócio do escritório Mattos Engelberg Echenique Advogados, os casos atuais de recuperação judicial de produtores estão relacionados a um “endividamento histórico”.
“São situações de alguns empresários e produtores que já vinham rolando algumas dívidas anteriores, muitas decorrentes ou de quebra de safra ou da mudança de valores dos produtos no mercado”, explica o advogado.
Ele alerta que vê como um problema o aconselhamento de parte dos advogados que atuam na área para que produtores façam a recuperação judicial, sob o pretexto da crise, para renegociar as dívidas. “Normalmente são produtores muito alavancados e que enxergam na recuperação judicial um bom negócio”, afirma Favacho
O advogado acrescenta que durante a pandemia os casos mais comuns atendidos são de clientes que consultam o escritório com dúvidas trabalhistas sobre home office, responsabilidade em relação aos empregados e medidas de segurança. As recuperações judiciais durante a crise não representam as maiores demandas.
Segundo Ricardo Costa Bruno, sócio da área de agronegócios do Martinelli Advogados, apesar da crise causada pela Covid-19 o agronegócio até o momento conseguiu manter o mercado aquecido. “Temos recordes na safra de grãos, gerando um resultado positivo, exportações, pagamento de impostos e empregos”, afirma o advogado.
Ele acrescenta que há grandes expectativas do mercado para o pós-crise. “Teremos grandes movimentações de fusões e aquisições e aumento na produção. Ao mesmo tempo, as cooperativas não pararam os investimentos”, explica o advogado.
Atualmente, afirma Costa Bruno, há uma grande busca de clientes para saber quais são os melhores instrumentos para obtenção de segurança jurídica para o recebimento, em um momento futuro, dos custos que investiram na atual produção.
“Os clientes querem saber como será essa relação contratual no futuro. É uma busca por segurança jurídica”, afirma o advogado.