JOTA | A LEI GERAL DO PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL

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Públicada em: quinta-feira, maio 12, 2022

Fonte: Jota | Publicado em 10/05/2022 | Clique aqui e veja a publicação original

O contencioso administrativo pode ser considerado um mecanismo alternativo de solução de litígios sob a perspectiva de que previne a necessidade de acesso ao Poder Judiciário, também correspondendo a um mecanismo de controle de legalidade exercido pela Administração Pública em relação aos próprios atos.

O contencioso administrativo pode ser mais eficaz que a discussão judicial em diversos aspectos, tanto no que se refere à celeridade de tramitação como em relação ao custo para os envolvidos, Administração e administrado, mas principalmente no que se refere ao alto grau de detalhamento técnico dos julgamentos, a começar porque envolve uma especialização temática, no caso, em relação aos tributos.

A utilidade e eficácia do Tribunal Administrativo em matéria tributária, no entanto, depende da estruturação adequada do chamado Processo Administrativo Fiscal (PAF), o qual corresponde a uma mescla de disposições de ordem estrutural e processual, que envolve desde a definição das instâncias e recursos cabíveis, como a composição e seleção dos julgadores, bem como suas prerrogativas, duração de mandato etc.

No âmbito federal, o processo administrativo fiscal é ainda hoje balizado pelo Decreto 70.235, de 1972, editado no Regime Militar e recepcionado pelo ordenamento jurídico como lei, em que são definidas as características elementares de funcionamento do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), nome recente dado ao antigo Conselho Contribuintes, cuja história remonta ao Império.

No âmbito distrital, estadual e municipal, cada um dos ente edita leis próprias a respeito dos aspectos relacionados ao processo administrativo fiscal.

A ausência de balizamento mínimo para o processo administrativo fiscal em âmbito nacional tem várias implicações negativas.

O atual momento, em que se discute a reforma do processo tributário administrativo e judicial, parece ser uma boa hora para a uniformização de alguns aspectos fundamentais.

O tema da regulamentação nacional do PAF não é novo. Encontra-se em tramitação no Congresso Nacional o Projeto de Lei Complementar 381/2014, que aguarda a votação de substitutivo pela Comissão de Constituição e Justiça.

O texto original já apresentava um escopo tímido, basicamente transportando para o âmbito dos Estados e Municípios alguns institutos do processo administrativo fiscal federal. Mas o seu alcance e efetividade foram ainda mais mitigados pelo substitutivo que, no intuito de preservar a liberdade das legislações locais, relativizou sobremaneira o molde da regra geral, beirando a ineficácia.

Enquanto o texto original previa um rol taxativo de meios de defesa e recurso — a impugnação, embargos de declaração, recurso voluntário, recurso de ofício, recurso especial a pedido de reexame de recurso especial —, o substitutivo reduziu o rol para três: impugnação, recurso voluntário e recurso especial, “sem prejuízo de outros instrumentos processuais previstos na legislação específica do entente tributante”.

O legislador parece nem desconfiar da complexidade a que chegam as tramitações de cada ente, com requintes de distinções entre ressarcimento e restituição, ritos contencioso e não contencioso, possibilidade de pedidos extraordinários de revisão, sem prazo, e que podem ser interpostos apenas por uma das partes (adivinhe qual?), e que podem ser interpostos e julgados até mesmo depois de supostamente encerrada a tramitação e já inscrito o crédito tributário na dívida ativa.

Mesmo no âmbito federal, ainda hoje em primeira instância as Delegacias da Receita Federal do Brasil de Julgamento (DRJ) se recusam a tomar conhecimento dos embargos de declaração interpostos pelos contribuintes, encaminhando os autos para o CARF para que os julgue como se se tratasse de um recurso voluntário. Sob o argumento de que não estão previstos no PAF.

Faltam principalmente previsões destinadas a assegurar a ampla publicidade e a participação das partes na tramitação e julgamento do processo.

O único ponto concreto abordado pelo projeto diz respeito à intimação prévia do julgamento. O texto original previa 10 dias de antecedência, mas o substitutivo suprimiu o prazo, passando a prever apenas que será feita com antecedência, prejudicando a uniformidade e colocando em risco a eficácia do norma.

É também preciso assegurar o julgamento aberto ao público e a produção de sustentação oral, bem como exigir a divulgação e o amplo acesso ao inteiro teor dos julgamentos.

Mesmo no âmbito federal, historicamente mais amadurecido, a primeira instância julgar a portas fechadas, sem acesso ao público nem às partes, além de não haver a divulgação do inteiro teor de seus julgamentos.

Muitos Tribunais Administrativos, como o do Distrito Federal, simplesmente não divulgam o inteiro teor de seus julgamentos, quando muito disponibilizando apenas ementas, que muitas vezes se limitam a repetir o texto de alguma norma, sem revelar nada da realidade da discussão concreta.

Outro problema é variação quanto ao método de intimação dos contribuintes, em que se verifica a evidente arbitrariedade de alguns sistemas que pretendem dispensar a intimação pessoal do contribuinte, adotando como padrão a publicação direta de edital.

Mas merece ainda especial atenção a justificativa contida no parecer da Comissão de Constituição Justiça e Cidadania, quanto à violação ao princípio do pacto federativo, em razão da interferência na autonomia dos Estados e Municípios para dispor quanto à sua estrutura administrativa.

Ocorre que a alegada autonomia administrativa não se presta de impedimento para a uniformização do sistema processual tributário, sendo inúmeras as matérias que poderiam ser veiculadas até mesmo por meio de lei ordinária para o efeito de assegurar a observância dos princípios constitucionais do direito de petição, da ampla defesa e contraditório, da publicidade e da eficiência da Administração Pública, entre outros.

Especialmente por se tratar de um projeto de lei complementar, a uniformização é não apenas assegurada, como é também reclamada pelo art. 146 da Constituição, para o efeito de estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente quanto à obrigação, lançamento e crédito tributário, estando em jogo o funcionamento adequado e a uniformidade nacional do Sistema Tributário Nacional.

Não pode haver dúvida de que o contencioso administrativo que se segue ao ato da administração — seja do lançamento ou de indeferimento de pedido de restituição, compensação ou reconhecimento de benefício fiscal — configura uma fase acoplada ao funcionamento do próprio sistema tributário, necessária para o aperfeiçoamento e o controle de legalidade do ato administrativo perante a própria Administração Tributária.

Enfim, são muitos os pontos que a princípio podem parecer pequenos, mas que se balizados significarão grandes avanços para uma efetiva cidadania fiscal.

Alguns destes aspectos e outros relacionados ao tema da Lei Geral do PAF foram objeto de reunião do Observatório da Macrolitigância Fiscal (OMF/IDP) ocorrida em 14 de agosto de 2020, oportunidade em que se discutiu a respeito de outras possibilidades.

Pode ser esta a oportunidade de endireitar as veredas tortuosas dos incontáveis e diversificados processos administrativos fiscais espalhados nos Estados, Distrito Federal e Municípios brasileiros, imprimindo-lhes uma uniformidade inteligente, destinada a lhes conferir a necessária publicidade, racionalidade e previsibilidade, assim contribuindo de maneira eficaz para redução dos litígios e para o aprimoramento da Administração Tributária.

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