Fonte: Folha de S. Paulo | Publicado em 04/11/2021 | Clique aqui e veja a publicação original
Na avaliação de especialistas em direito trabalhista, é inconstitucional a portaria do Ministério do Trabalho divulgada na última segunda-feira (1º), que proíbe que empresas demitam ou deixem de contratar funcionários que recusarem a tomar a vacina contra a Covid.
A norma, assinada pelo ministro Onyx Lorenzoni, considera que é discriminatório exigir que o empregado apresente um comprovante de vacinação para manter seu vínculo com a empresa.
A portaria pegou de surpresa as empresas e advogados especializados em direito do trabalho, que consideram que a medida fere a Constituição e é puramente política. Eles avaliam que o direito individual de não tomar vacina não pode se sobrepor à saúde coletiva.
É uma decisão que deixa claro o posicionamento do governo contra a vacinação, avalia Fernando Teixeira Oliveira, especialista em legislação trabalhista do Martinelli Advogados. “A gente espera que ela seja declarada inconstitucional.”
Segundo o advogado, a portaria do governo deu um susto nas empresas e só serviu para provocar insegurança jurídica. “A empresa pode dar uma advertência ao empregado que se recusar a tomar vacina e impor uma suspensão, até chegar na demissão por justa causa, caso ele mantenha a recusa sem justificar com algum atestado que o impeça de tomar o imunizante.”
“A portaria foi um equívoco do ministério e vai na contramão do posicionamento que vem se tomando em relação à vacinação para conter e encerrar a pandemia o quanto antes. Ela demonstra a desarmonia entre os Poderes”, diz Thereza Cristina Carneiro, especialista em Direito do Trabalho do CSMV Advogados.
“No fim do ano passado, a gente teve julgamentos de ações diretas de inconstitucionalidade, na linha de que é constitucional a vacinação compulsória. A portaria vem com o discurso de que a restrição seria discriminatória. Mas uma das obrigações do empregador é manter o ambiente de trabalho sadio”, complementa a advogada.
Segundo Carneiro, é importante que a empresa consiga demitir por justa causa funcionários nessa condição, já que essa é maior penalidade que existe para um empregado no seu contrato de trabalho.
“Demitir sem motivo significa que a empresa ainda terá de arcar com as verbas de indenização. A portaria, no entanto, vai no sentido oposto: de dar uma remuneração compensatória ao trabalhador que for demitido por justa causa neste caso.”
Na visão do advogado trabalhista Jorge Matsumoto, do Bichara Advogados, o texto do governo é inconstitucional já na origem. “Com o argumento falacioso de que o empregado deve ter a liberdade de escolha, sem obrigação de vacina, a portaria coloca em risco a saúde e a integridade física da coletividade.”
“Se o empregado trabalha sozinho e não coloca os demais em risco, a demissão por justa causa é uma medida grave demais. Mas se ele foi devidamente orientado e ainda assim se recusar a tomar vacina, a empresa deve tomar as medidas necessárias.”
Eles ressaltam que o 22º inciso do artigo 7º da Constituição garante aos trabalhadores segurança e saúde no exercício de suas atividades.
Na terça-feira (2), dez representações sindicais assinaram uma nota conjunta em que criticavam o texto do governo. As entidades dos trabalhadores dizem que, mais do que uma distorção do entendimento sobre as regras de convívio social, a medida é uma nova demonstração de total falta de sensibilidade e empatia.
“O advento da vacina contra o coronavírus em tempo recorde foi uma conquista da humanidade que nos permite retomar a economia e um saudável convívio social”, dizem as centrais.
As entidades dos trabalhadores reforçam que, ao contrário de uma ação autoritária, a obrigatoriedade da vacinação se baseia na responsabilidade de todos com o coletivo.
A nota é assinada por CUT (Central Única dos Trabalhadores), Força Sindical, UGT (União Geral dos Trabalhadores), CTB (Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil) e NCST (Nova Central Sindical de Trabalhadores).
Também assinam o texto CSB (Central dos Sindicatos Brasileiros), CSP-Conlutas, Intersindical (Central da Classe Trabalhadora) e Pública (Central do Servidor) e Intersindical (Instrumento de Luta).
“O ministro fala que as centrais estão defendendo a punição de trabalhadores, mas estamos defendendo a vida”, diz Miguel Torres, presidente da Força Sindical.
“A maioria dos trabalhadores se vacinou graças ao SUS, por pressão da sociedade, e eles fazem uma portaria liberando quem não se vacinou. O direito individual não se sobrepõe ao coletivo.”
Ele ressalta que diversas entidades do meio jurídico, como a Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho), também se manifestaram reprovando a portaria.
“Não podemos admitir que uma portaria venha fixar o negacionismo e vamos fazer de tudo para que ela seja derrubada”, diz Torres.
O senador Humberto Costa (PT-PE) enviou um decreto legislativo (935/2021) em que revoga a portaria do Ministério do Trabalho.
Nesta quarta-feira (3), o partido Rede Sustentabilidade apresentou uma ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) contra a portaria assinada pelo ministro do Trabalho.
Segundo o documento, a medida tomada pelo ministério favorece a atuação de grupos contrários à vacina e destaca que o governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tratou a pandemia de Covid como uma “gripezinha”.
“Trata-se de evidente reação do Poder Executivo Federal à próxima etapa do enfrentamento à Covid-19. O governo, que inicialmente minimizou a pandemia (“gripezinha”) e depois atrasou o início da vacinação (diversos fatos já denunciados pela CPI da Pandemia…), agora tenta incentivar a atuação de grupos que são contra vacinas.”
Por meio de seu perfil no Twitter, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) disse que qualquer ato do governo que busque prejudicar a vacinação dos brasileiros será combatido.