CONJUR | NÚMERO DE AÇÕES JUDICIAIS SOBRE DIREITO AMBIENTAL CRESCEU 10% NO ANO PASSADO

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Públicada em: segunda-feira, setembro 19, 2022

Fonte: Consultor Jurídico| Publicado em 17/9/2022 | Clique aqui e veja a publicação original

Ao longo dos últimos anos, observa-se no Brasil um significativo incremento no monitoramento do meio ambiente. Cada vez mais entidades se dedicam à proteção da natureza, o que acaba gerando consequências no mundo jurídico. E uma delas é o aumento do número de processos ambientais registrados no país.

Essa tendência foi revelada pela 19ª edição do “Justiça em Números”, publicada no dia 1º deste mês. O relatório anual do Conselho Nacional de Justiça tem por objetivo registrar e pormenorizar as atividades do Judiciário brasileiro durante o ano. O trabalho inclui informações do funcionamento do Judiciário e dos assuntos mais demandados judicialmente durante o ano de 2021.

Um dos pontos mais interessantes do relatório é a seção dedicada ao Direito Ambiental. De acordo com o CNJ, entre 2020 e 2021 houve um crescimento de 10,4% no número de processos ambientais, totalizando 89 mil ações. Entre elas, destacam-se aquelas relacionadas a crimes contra a flora, crimes contra a fauna e crimes contra o meio ambiente e o patrimônio genético, que, juntas, alcançam um total de 50 mil.

Para Bianca Antacli, sócia na área ambiental do escritório TozziniFreire Advogados, há diversas causas que podem justificar o aumento nesses processos. “Um exemplo é a crescente especialização das promotorias de Justiça, que têm se expandido das capitais para outras comarcas, e o treinamento dos membros do Ministério Público, o que aumenta a abrangência das ações.”

Além disso, é preciso levar em conta que, no ano de 2020, o país estava passando pela primeira fase da crise da Covid-19, que inegavelmente prejudicou a fiscalização de órgãos como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Com a volta das visitas presenciais, no ano passado, mais irregularidades foram registradas, causando um acréscimo na quantidade de processos ambientais.

Outra consequência da diminuição da fiscalização foi o surgimento de novos personagens dispostos a assumir a função de monitorar o meio ambiente. “Como forma paralela de controlar o impacto da humanidade sobre a natureza, vimos uma crescente participação do Ministério Público na questão, com o objetivo de suprir a ausência dos fiscais por meio do ajuizamento de inúmeras ações em uma tentativa de coibir a prática de danos ambientais”, afirma Patrícia de Pádua Rodrigues, advogada especializada em Direito Imobiliário, Ambiental e Urbanístico do Martinelli Advogados.

Ainda segundo a especialista, nota-se em tempos recentes uma procura cada vez maior por um meio ambiente saudável e equilibrado, sobretudo por parte da geração mais nova. Conforme os jovens tomam seu lugar na sociedade, vemos, nas redes sociais e em outras mídias, mais denúncias que visam à proteção da natureza.

Dessa forma, quando cresce a sensibilização da sociedade em relação à proteção do mundo onde vivemos, esse sentimento é refletido nos órgãos institucionais que nos representam e, portanto, no próprio Estado. É o que diz Márcio Pereira, sócio da área de Ambiental e Mudanças Climáticas do BMA Advogados. “Consequentemente, hoje nós vemos organizações muito mais preparadas para proteger os direitos ambientais, incluindo indígenas e quilombolas.”

A criação de novas leis que regulam as interações humanas com a natureza também teve um papel importante na judicialização do assunto. “Hoje temos diplomas legais e mecanismos jurídicos que permitem a tutela de patrimônio público de forma muito mais eficiente, o que engloba o meio ambiente”, diz Édis Milaré, fundador do escritório Milaré Advogados e especialista em Direito Ambiental.

De acordo com Milaré, relatórios da ONU apontam que, entre 2017 e 2020, o número de ações propostas em torno do tema de alterações climáticas quase dobrou. “Isso mostra que o Direito Ambiental está saindo da teoria para adentrar o campo da realidade”, conclui.

Todos os experts com quem a revista eletrônica Consultor Jurídico conversou concordaram que, para o ano que vem, espera-se novo aumento do número de ações ambientais, uma vez que as causas mencionadas como explicativas desse crescimento persistem. Mas isso não significa que os objetos dos processos serão os mesmos.

Segundo Patrícia Rodrigues, por exemplo, o futuro reserva para a área do Direito Ambiental discussões mais ligadas à litigância climática, decorrentes do aquecimento global. E, na opinião dela, o país ainda não está pronto para esse futuro. “Falta aos tribunais e escritórios muita coisa para lidar com a litigância climática”, afirma. “Internacionalmente, vemos condenações bem expressivas nesse sentido, mas, aqui, nem tanto. Escritórios internacionais estão no caminho para se especializar no assunto, mas não vejo nada do tipo no Brasil.”

Em relação às outras demandas, porém, o Estado brasileiro está bem aparelhado para lidar com os processos ambientais. Sinal disso são as resoluções recentemente publicadas pelo Conselho Nacional de Justiça, que apontam para um entendimento cada vez mais técnico da questão ambiental por parte do Judiciário.

Ademais, percebe-se uma popularização dos escritórios especializados no tema ambiental, o que implica um grande número de profissionais focados no assunto. De modo geral, tudo parece indicar que o Zeitgeist está mudando.

“Essa situação talvez represente uma mudança de paradigma pensando para o futuro, refletindo em uma mudança de postura dos setores econômico e governamental e de toda a sociedade nesse processo de tomada de consciência de nossa integração do ser humano com o meio ambiente”, opina Alexandre Burmann, advogado da área ambiental do escritório Daniel Gerber Advogados e secretário-geral da União Brasileira da Advocacia Ambiental.

Ao que tudo indica, o maior número de ações ambientais pode ser positivo não apenas por resultar na reparação de danos, na punição pelos ilícitos e em uma maior fiscalização da natureza, mas também porque seu julgamento pode acelerar o desenvolvimento da mentalidade da sociedade e do infrator quanto ao meio ambiente.

Ainda assim, a judicialização tem seus defeitos. Como exemplo, pode ser citada a demora para a resolução das ações, o que pode afetar negativamente o meio ambiente. E é aí que entra a importância de relatórios como o “Justiça em Números”. Sem eles, seria impossível monitorar dados e demandas que nos permitem conceber soluções e políticas públicas de elevada importância.

O que é notável é que o assunto tem sido debatido judicialmente em diversas regiões do Brasil. O maior número de novos casos ambientais por tribunal ficou com Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul, respectivamente. Já o maior número de novos casos por cem mil habitantes foi registrado em Rondônia, Santa Catarina e Roraima, respectivamente.

A pesquisa indicou ainda que 47% dos processos ambientais que entraram na Justiça em 2021 estão no primeiro grau, e 38% estão em Juizado Especial.

Uma coisa é certa: cada vez mais se fala de assuntos ambientais. E, uma vez que pode levar a uma maior conscientização, é correto considerar esse fato positivo. “O ambiental está chamando mais atenção do que nunca, o que é motivo para comemoração”, reitera Bianca Antacli.

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