A Lei da Reciprocidade Econômica (PL 2.088/2023), aprovada por unanimidade no Senado no último dia 1º de abril, e pela Câmara dos Deputados no dia 2 em regime de urgência, é mais do que uma resposta pontual às tarifas e restrições comerciais impostas por Estados Unidos e União Europeia. A medida insere o Brasil em uma posição ativa nas disputas comerciais globais e reabre discussões importantes sobre a dinâmica do capital estrangeiro, especialmente no mercado de fusões, aquisições e investimentos estratégicos.
É nesse cenário que a Lei da Reciprocidade adiciona uma camada importante ao jogo. Longe de ser vista exclusivamente como um risco, a lei tem sido interpretada, por parte dos agentes econômicos, como um instrumento de equalização competitiva e estímulo à defesa de setores estratégicos, como energia, agronegócio, infraestrutura e mineração. Não há surpresa no fato de empresas chinesas continuarem liderando transações relevantes, em especial nos segmentos de energia elétrica, infraestrutura logística e agronegócio. Grupos como State Grid, China Communications Construction Company e Cofco ampliam sua atuação no país, firmando acordos comerciais, joint ventures e aquisições, mesmo diante de um ambiente de maior complexidade institucional.
Ao mesmo tempo, a leitura sobre o apetite americano para ativos brasileiros não deve ser simplificada. Embora haja maior seletividade no capital de private equity e nas operações de dívida corporativa, é perceptível o contínuo interesse de fundos de venture capital, especialmente os sediados nos EUA, pelo ecossistema de inovação brasileiro. Startups nacionais em áreas como tecnologia financeira, educação digital, saúde e logística seguem sendo alvo de rodadas relevantes, lideradas por fundos americanos dispostos a aproveitar o diferencial de valuation e a escalabilidade das soluções locais. O capital de risco americano, ao contrário dos grandes fundos institucionais mais avessos ao risco Brasil, tem mantido presença ativa e seletiva, apostando no potencial de disrupção de empresas brasileiras e na capilaridade regional dessas soluções na América Latina.
Essa diferenciação é nítida nas transações concretizadas ao longo dos últimos meses. Enquanto os grandes investidores de renda fixa e de infraestrutura buscam alternativas com menor volatilidade, como México e Chile, o capital de risco americano tem mantido firme sua atuação em startups brasileiras. Este movimento não só demonstra resiliência do ecossistema de inovação local, mas evidencia que a leitura sobre o Brasil não deve ser generalizada. O investidor institucional, que exige previsibilidade macroeconômica e estabilidade regulatória, naturalmente reavalia seu portfólio. Já o venture capital, orientado por teses de inovação e por ciclos de longo prazo, continua ativo.
O contraste com os investidores chineses vai além da aversão ao risco de curto prazo. O capital asiático, guiado por uma lógica de política industrial e segurança estratégica, vem consolidando posições no Brasil com paciência e visão de longo prazo. É nesse contexto que a Lei da Reciprocidade pode, inclusive, funcionar como elemento de barganha adicional para o país nas negociações bilaterais, especialmente ao sinalizar disposição do Brasil em proteger sua base produtiva e sua infraestrutura crítica.
No entanto, a percepção internacional sobre o Brasil não é homogênea. Se de um lado há cautela e busca por mercados emergentes mais previsíveis, há setores e classes de ativos que mantêm atratividade mesmo em um cenário de incertezas. A dinâmica de investimentos estrangeiros no país hoje não se resume a uma fuga ou retração generalizada, mas a um redesenho do perfil dos investidores e dos setores que seguirão capturando capital nos próximos anos.
Nesse ambiente, as empresas brasileiras que entenderem essa dinâmica estarão mais preparadas para estruturar transações de M&A e captar recursos de forma estratégica. O Brasil continua sendo um mercado-chave, seja para a expansão de grupos asiáticos, seja para a continuidade de investimentos de venture capital americanos, mesmo sob um pano de fundo de maior volatilidade e disputa comercial.
Fonte: Estado de Minas | Publicado em 9/4/2025 | Clique aqui e veja a publicação original.
