A Controladoria-Geral da União (CGU) publicou, na terça-feira (9), a Portaria 3.032/2025, que aprovou oito enunciados administrativos para uniformização de entendimentos sobre responsabilização administrativa de pessoas jurídicas pela prática de atos lesivos previstos na Lei Anticorrupção.
Embora tenham caráter orientativo, os enunciados produzem efeitos práticos relevantes, funcionando como parâmetros interpretativos. Na eventualidade de uma investigação, a CGU tende a adotar tais entendimentos como referência para enquadrar condutas, calcular multas e aplicar sanções.
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De modo geral, os entendimentos firmados pelos enunciados possuem diversos impactos, destacando-se os seguintes:
- Enunciado 1/2025: quanto ao decreto 11.129/2022, que regulamenta a Lei Anticorrupção, a portaria define que aplicação do texto se dá a todos os processos desde a vigência (18/07/2022), inclusive a fatos anteriores. Não é possível alegar retroatividade mais benéfica, entendimento que acompanha parte da doutrina que afasta as premissas do direito penal do processo administrativo sancionador; a dosimetria seguirá o novo decreto, ainda que mais severa.
- Enunciado 2/2025: pode ser tido também como vantagem indevida: bens, serviços ou proveitos de qualquer natureza, com valor econômico ou não, vantagens de natureza material, imaterial, moral, política ou sexual. A amplitude conceitual repercute nas políticas e normas internas relacionadas a Programas de Integridade, fomentando a necessidade de definir e identificar as vantagens imateriais, morais e políticas.
- Exemplo: uma promessa de cargo político pode ser tida como vantagem indevida? Pelo teor, muito provavelmente.
- Enunciado 3/2025: quanto a promessa, oferecimento ou ato de dar vantagem indevida a agente público ou terceiro a ele relacionado, não é preciso comprovar que a pessoa jurídica tinha intenção específica de corromper, basta demonstrar que o ato lesivo foi praticado, exclusivamente ou não, no interesse ou benefício da pessoa jurídica.
- Enunciado 4/2025: se o próprio agente público exige ou pede a vantagem, a solicitação ou exigência não excluirá a responsabilidade da pessoa jurídica.
- Enunciado 5: Não é ilícito quando a empresa oferece brindes ou hospitalidades que atendam ao interesse institucional do órgão público em que o agente atue, desde que respeitem os critérios do decreto 10.889/2021 (ainda que aplicável ao poder executivo federal, há longa data tem servido de parâmetro para programas de integridade e relação com o poder público)
- Enunciado 6: Convites para shows, jogos ou eventos de entretenimento oferecidos a agentes públicos fora dos parâmetros do decreto 10.889/2021 configuram ilícito.
- Enunciado 7/2025: por ser um ilícito formal, a apresentação de documentos falsos ou adulterados em licitação já configura ilícito administrativo, independente do resultado do certame.
- Exemplo: uma empresa apresenta um atestado técnico adulterado em licitação para obras públicas. Mesmo que seja desclassificada antes da habilitação final ou não vença a licitação, a empresa responde pelo ilícito.
- Enunciado 8/2025: as condenações em Processo Administrativo de Responsabilização (PAR) implicam, como regra, a aplicação cumulativa de multa e publicação extraordinária da decisão. Apenas em caso de acordo de leniência ou termo de compromisso pode haver aplicação isolada de multa.
Os enunciados esclarecem pontos importantes na interpretação da Lei Anticorrupção, mas trazem certo rigor, principalmente em relação a oferta de brindes e hospitalidades a agentes públicos. Uma análise conjunta dos Enunciados 3, 5 e 6 indicam que eventuais ofertas fora das regras permitidas na interação com agentes públicos, pode atrair uma compreensão de que a oferta foi uma vantagem indevida, ainda que sem intenção de obtê-la, ampliando os riscos para pessoas jurídicas. Na prática, isso implica:
- Programas de integridade precisarão ser ajustados, com ênfase em brindes, hospitalidades e controles licitatórios;
- Defesas em PARs perdem espaço para argumentos baseados em dolo específico ou na ausência de contraprestação;
- Acordos de leniência se consolidam como ferramenta estratégica para mitigar danos.
A iniciativa integra um movimento mais amplo da CGU para fortalecer o combate à corrupção e garantir mais segurança jurídica na interpretação da legislação. Nos últimos meses, a CGU promoveu consulta pública sobre os parâmetros de avaliação de programas de integridade, resultando na Portaria Normativa SE/CGU 226/2025, também lançando o Guia de Quantificação de Vantagens Ilícitas, com metodologia inédita para mensurar ganhos indevidos em atos de corrupção, e apresentou um relatório consolidado de atuação recente em matéria de responsabilização de pessoas jurídicas.


