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STF redefine responsabilidades das plataformas digitais: impactos e novas obrigações

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Em julgamento concluído no dia 26 de junho de 2025, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a inconstitucionalidade parcial do artigo 19 do Marco Civil da Internet, fixando novos parâmetros para a responsabilização civil de plataformas digitais por conteúdos gerados por terceiros. Por maioria, o Tribunal entendeu que a exigência de ordem judicial como condição prévia e absoluta para responsabilização das plataformas não se compatibiliza com a Constituição, especialmente diante da necessidade de garantir a efetividade dos direitos fundamentais no ambiente digital.

Como era?

O artigo 19 previa que plataformas, provedores e sites somente poderiam ser responsabilizados civilmente por danos decorrentes de conteúdos de terceiros se, após decisão judicial específica, deixassem de remover o material considerado ilícito.

O artigo 21 previa as exceções, de modo que os provedores poderiam ser responsabilizados civilmente se, após receberem notificações extrajudiciais dos interessados, não removessem conteúdos pornográficos não autorizados ou relacionada a direitos autorais.

Como fica?

Com a decisão do STF, essa lógica foi significativamente modificada. O Tribunal entendeu pela constitucionalidade parcial do artigo 19, mas limitou a aplicação a determinados serviços que pressupõem sigilo das comunicações, como provedores de e-mail, aplicativos de mensagens privadas e plataformas de reuniões fechadas por voz ou vídeo.

Nesses casos, permanece a exigência de ordem judicial prévia para obrigar a remoção de conteúdo e configurar responsabilidade civil, resguardando a privacidade dos usuários.

Fora dessas hipóteses, ou seja, em plataformas de caráter aberto ou sem proteção especial de sigilo — como redes sociais e serviços públicos de compartilhamento de conteúdo, passa a ser possível a responsabilização civil das plataformas mesmo na ausência de ordem judicial, desde que comprovada a culpa — por ação ou omissão — da empresa, nos termos do regime subjetivo de responsabilidade.

Isso se aplica especialmente quando a plataforma, devidamente notificada de forma extrajudicial, deixa de remover conteúdos manifestamente ilícitos e/ou não adota providências razoáveis e proporcionais para remoção ou contenção da sua disseminação.

Presunção de responsabilidade

O STF também reconheceu hipóteses de presunção de responsabilidade, que representam um afastamento parcial do regime exclusivamente subjetivo previsto originalmente no art. 19.

Presume-se a responsabilidade da plataforma, cabendo-lhe comprovar que atuou de forma diligente, nos casos relacionados a:

  • a conteúdos impulsionados por pagamento;
  • conteúdos disseminados de forma artificial, como por meio de robôs ou sistemas automatizados;

Nesses casos, entende-se que há um dever reforçado de diligência por parte das plataformas, posto que a responsabilidade é presumida e independerá de notificação prévia, cabendo às plataformas a comprovação da atuação tempestiva e eficaz na remoção do conteúdo.

Outro ponto relevante trata da responsabilidade das plataformas em casos de crimes graves, como pornografia infantil, incitação ao suicídio, violência contra a mulher, atos antidemocráticos, terrorismo e crimes de ódio. Nessas situações, será possível a responsabilização das empresas quando ficar demonstrada uma falha sistêmica, isto é, a ausência de mecanismos eficazes para prevenção, detecção ou resposta à veiculação de conteúdos evidentemente ilícitos.

Embora a responsabilidade continue, em regra, sendo subjetiva — ou seja, dependente de demonstração de culpa —, a decisão do STF representa uma inflexão relevante ao ampliar as hipóteses em que a culpa pode ser presumida, especialmente diante de omissões reiteradas ou estruturas que favoreçam a viralização de conteúdo ilegal.

Remoção automática de conteúdos

A decisão ainda determinou que conteúdos já considerados ilícitos por decisão judicial anterior devem ser prontamente removidos por qualquer plataforma, quando reaparecerem em ambientes digitais, independentemente de nova ordem judicial, bastando, para tanto, uma notificação extrajudicial que aponte a reiteração do conteúdo anteriormente julgado.

Dever de cuidado (falha sistêmica)

A decisão inova ao introduzir, ainda que parcialmente, o dever de cuidado frente às falhas sistêmicas. Considera-se falha sistêmica, imputável ao provedor de aplicações de internet, omissão na adoção de medidas adequadas para prevenir ou remover os conteúdos ilícitos descritos abaixo, caracterizando violação do dever de atuar com responsabilidade, transparência e cautela:

  • tráfico de pessoas;
  • crimes sexuais envolvendo pessoas vulneráveis, pornografia infantil e outras formas graves de violência contra crianças e adolescentes;
  • crimes praticados contra a mulher;
  • crimes de induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio ou à automutilação;
  • crimes de terrorismo ou preparatórios de terrorismo;
  • atos e condutas de natureza antidemocrática;
  • incitação à discriminação em razão de raça, cor, etnia, religião, nacionalidade, orientação sexual ou identidade de gênero.

Nesses casos, a plataforma poderá ser responsável por não adotar medidas para indisponibilizar, de forma imediata, conteúdos que caracterizem tais práticas.

A existência de conteúdo ilícito de forma isolada, não é, por si só, suficiente para ensejar a aplicação da responsabilidade civil do presente item, prevalecendo o regime previsto no artigo 21 do MCI.

Exigência de representante legal no Brasil

Outro ponto fundamental para provedores de aplicação é a obrigação de constituição de sede e representante legal no Brasil, inclusive com a disponibilização fácil de suas informações de contato no portal da plataforma. De acordo com posicionamento do STF, essa representação deve:

  • Ser exercida por pessoa jurídica com sede no Brasil;
  • Estar devidamente identificada e com contatos acessíveis no site da plataforma;
  • Ter plenos poderes para representar a empresa nas esferas administrativa e judicial, além de prestar informações às autoridades sobre moderação de conteúdo, políticas internas, relatórios de transparência, regras de impulsionamento, uso de algoritmos, entre outros e cumprir determinações judiciais e penalidades.

Essa exigência visa garantir a efetividade das obrigações legais das plataformas e permitir que os usuários e o Poder Público tenham um canal oficial de responsabilização e diálogo no país.

Impacto nos marketplaces:

Para as plataformas que operam como marketplaces, o novo cenário também impõe desafios relevantes, já que a ampliação da responsabilização civil por conteúdos de terceiros — especialmente em casos de falha sistêmica ou ausência de diligência — afeta diretamente esses ambientes, nos quais frequentemente há oferta de produtos ou serviços por usuários independentes. Além dos deveres previstos no Código de Defesa do Consumidor, marketplaces devem agora observar com mais rigor os mecanismos de controle de publicações e anúncios, adoção de medidas preventivas e canais eficazes de resposta a notificações de conteúdos ou ofertas ilícitas, sob pena de responsabilização.

Deveres de transparência e autorregulação

O Supremo também reforçou os deveres de transparência e a necessidade de autorregulação. A exemplo, as plataformas deverão implementar mecanismos acessíveis de notificação e contestação de conteúdos, publicar relatórios periódicos de transparência e manter canais permanentes de atendimento, inclusive para pessoas que não sejam usuárias registradas dos serviços.

Espera-se que essas obrigações sejam detalhadas por futura legislação, já que o STF instou o Congresso Nacional a disciplinar o tema de forma mais precisa.

Modulação dos efeitos

Por fim, os efeitos da decisão foram modulados para que passem a valer apenas a partir do julgamento, ou seja, de forma prospectiva. Casos já encerrados por decisão definitiva não serão afetados.

Filipe Ribeiro

Larissa Anghinetti

Vanessa Lima Nascimento

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